Antoine Vermorel-Marques (Republicanos, direita) comparou a tradicional vaca charolesa francesa, “rústica e maternal”, com a mesma raça bovina criada na América do Sul.
“Aglutinada em fazendas de 10 mil cabeças, engordada, condenada aos ferros, comendo soja transgênica, em um hectare onde antes havia a floresta amazônica, abatida sem dó nem piedade e empacotada em um cargueiro refrigerado. Seu destino? Nossas mesas, nossas cantinas, vendida a metade do preço, financiada ao custo da nossa saúde, alimentada com um pesticida proibido na Europa, que fragiliza a gravidez e ataca a saúde dos recém-nascidos”, disse Vermorel-Marques.
Nesta terça-feira (26), ao comentar o pedido de desculpas do Carrefour sobre a carne brasileira, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, afirmou que o Brasil tem responsabilidade com os produtos que entrega e que o governo está aberto a dialogar sobre transparência, rastreabilidade e compromissos de sustentabilidade e meio ambiente.
“Estamos fazendo a recuperação de 40 milhões de hectares de pastagem. Em hipótese alguma vamos aceitar que alguém venha falar da qualidade de nosso produto, que venha deturpar o que fazemos com excelência”, comentou.
“Como o modelo brasileiro é tão competitivo?”, questionou, na Assembleia, a deputada Hélène Laporte (partido RN, ultradireita). “Uma ultraconcentração da produção, com três empresas dividindo 92% da produção destinada à exportação; desmatamento maciço e uso de antibióticos sem moderação. Vamos usar a pecuária brasileira como modelo? Para o RN, a resposta é não.”
Laporte admitiu que a cota prevista no acordo para a carne do Mercosul representa menos de 2% do consumo europeu. Segundo ela, porém, isso “basta para desestabilizar o mercado francês”.
“A França está contra a parede. A Comissão Europeia, de forma opaca, quer forçar a aprovação do acordo”, acusou Arnaud Le Gall (França Insubmissa, extrema-esquerda).
As cotas de importação livres de impostos previstas no acordo representam valores relativamente pequenos em relação ao que a União Europeia produz: 99 mil toneladas de carne bovina (1,6% da produção da UE), 25 mil de carne suína (0,1%), 180 mil de aves (1,4%), 190 mil toneladas de açúcar (1,2%). No sentido inverso, haverá redução progressiva de taxas sobre produtos industriais europeus, como os automóveis. Isso fez o acordo ser apelidado na França de “boeuf contre bagnole”, ou “carne por carro”.
Nesta quarta-feira (27), o Senado, câmara alta do parlamento francês, também deve debater e votar o acordo. Assim como o voto dos deputados, o resultado será meramente simbólico.
Para rejeitar o acordo, a França precisa reunir pelo menos quatro países europeus que, juntos, representem pelo menos 35% da população da União Europeia. Além dos franceses, os poloneses também declararam oposição ao texto. Existe a possibilidade de assinatura do acordo na próxima semana, em Montevidéu, no Uruguai.
Entre outros argumentos, foram usadas a defesa das populações indígenas brasileiras contra o desmatamento e a proteção dos camponeses brasileiros contra o êxodo rural que aumentaria a população das favelas.
O debate sobre o acordo com o Mercosul transformou-se em um ataque ao livre-comércio em geral, da parte de vários deputados. Foi criticado um acordo assinado nesta semana, que abriu o mercado da UE a ovinos da Nova Zelândia. Alguns deputados pediram alterações em um acordo para importação de tomates do Marrocos. Partidos sempre opostos ao livre comércio, de extrema-esquerda, ironizaram a súbita adesão de outros partidos à causa protecionista.
A ministra da Agricultura, Annie Genevard, lembrou que há quase exatamente 60 anos Charles de Gaulle, então presidente da França, fez um giro pela América Latina, inclusive o Brasil. Na ocasião, disse que a França e a América Latina deveriam andar “de mãos dadas”. Mesmo assim, Genevard declarou-se contra o acordo.